Doce Remédio Amargo

"A preguiça já fez por merecer se tornar a mais temida de todas
as desvirtudes humanas."


O papelão todo esfrangalhado da caixinha perdida lá no canto da prateleira, onde o espanador não alcança, parece há muito intocado. Mas papai já sabia que aquele era o melhor remédio, o único capaz de tratar, de mais fundo, a raiz de todos as nossas moléstias. O frasco ainda é de vidro e o rótulo, encardido pelo prazo de validade que o tempo também não conseguiu alcançar, agora parece servir apenas para distraí-lo, entretê-lo enquanto exala do líquido visguento seu odor repugnante, brisa ardida que de longe é capaz de fazê-lo sentir o sabor.

Ora! Grave que fosse a enfermidade, qual criança iria preferir uma coisa dessas por livre escolha? Talvez as japonesas, porque as brasileiras é que não mesmo!

Pessoalmente, nesta matéria acredito já termos evoluído de impressão para conceito faz tempo. Os argumentos nem tanto servem para atestar a eficiência de uma boa terapia intravenosa (por vezes necessária), mas para alertá-los, mais uma vez, sobre essa letargia vaidosa das trevas que fez a nação da Ilha esquecer de crescer e arraigar-se de uma vez na pré-adolescência birrenta e relutante que hoje a impede de tomar até o mais simples xarope. É bem verdade que, na ilha das hamakas, a eficiência da química não parece mais se medir pelos resultados de seus efeitos, mas por aquilo que ela nos custa em relação ao que temos no bolso da nossa disposição.

A imaturidade do brasileiro é avessa ao esforço e ao deslocamento.

O que esperar, então, da droga cujo princípio ativo se baseia justamente na ímproba busca pelo conhecimento?

Tratamento longo e doloroso!

Não ouvimos mais, não pensamos mais, não lemos mais, sequer as bulas daquilo que nos receitam com o propósito da cura! Refizemos a ordem dos pecados. Sofremos o ápice de uma epidemia de preguiça crônica que atua em nosso mecanismo imunológico e cede espaço para invasores oportunistas mais nocivos: a ganância, o egoísmo, a imoralidade, a vaidade, a mentira e a incapacidade de discernir prioridades. Como bem cita Olavo de Carvalho, sem o conhecimento não poderíamos, sequer, praticar o amor ao próximo sob olhos de N. S. Jesus Cristo.

Dentre uma miríade bastante diversificada de exemplos a serem explorados sobre o solo fértil de nossos impasses mais recentes, com um pouco de imaginação, vulgarizando um pouco, talvez, através da teoria seríamos capazes de explicar, por exemplo, desde os picos de audiência dos BBBs, passando pelo analfabetismo funcional de professores pós-graduados — fenômeno tão estarrecedor quanto comum, incurável desamor pelo movimento e pelo conhecimento —, até a quilométrica fila de processos movidos contra os metacapitalistas da telefonia móvel, detentores invictos do recorde de insatisfação popular o qual nem as ratazanas de Brasília estariam aptas a desafiar; Recorde este impremeditavelmente conquistado por iniciativa de suas próprias vítimas que, uma vez acometidas por uma espécie de imobilidade tônica, são conduzidas ao beco escuro mais próximo para serem assaltadas.

Nesta proposta, talvez também conseguíssemos explicar porque, uma vez denunciada, toda a casta de frigoríficos continua vendendo seus embutidos tenros, claros e macios para o café da manhã daqueles que se comportam como eternos desinformados. Mas, e os grupos do Whatsapp? Não me venha com essa... Meramente impossível ser tão alheio nesses tempos "superdemocráticos" de "inclusão digital"!

Ocorre que, para o brasileiro, um pouco de informação pode ser perigoso demais. Tais constatações implicariam na alteração do trajeto matutino em busca de uma padaria que comercializasse seus produtos locais, na pesquisa de um substituto à altura para a costumeira toscana "ossuda" do churrasco de domingo ou, quem sabe, na readaptação ao sabor de um embutido novo que não fosse aquele de carne de cabeça — o preferido de tantos anos pela família inteira! Enfim, culminaria numa mudança de rotina atípica e dolorosa demais, capaz de trincar-lhe os ossos e submergir seus músculos em lactato puro. Dessa superfluidade de informações, o enrijecimento instantâneo que nos impede de esticar as pernas para além de nossa zona de conforto está entre os mais súbitos e traumáticos sintomas.

A preguiça já fez por merecer se tornar a mais temida de todas as desvirtudes humanas.

No caso do brasileiro, a preguiça tem conseguido fazer de um povo criativo por definição um idiota soberano pela aversão aos estudos. O país sem identidade parece não querer trabalhar por uma: Eis o diagnóstico mais simplista que o tempo limitadíssimo da minha consulta me permitiria descrever.

Conhecido o paciente e dado o diagnóstico, qual seria, então, o remédio a ser prescrito? Decerto alguma infusão oriental tradicional, não? Pois os japoneses parecem ser imunes ao mal...

Não. O nosso remédio são os nossos filhos ou, mais precisamente, o amor que teríamos por eles.

O remédio para a enfermidade crônica brasileira são os filhos dos filhos teus. É para isso que servem, indicação exata tal qual consta na bula antiga que coloca a religião, a família e a estrutura patriarcal, hierárquica, no centro de tudo e que você ainda se recusa a ler!

Na sopa de ameaças que se aproveitam de nosso marasmo, há um lugar especial para a afetação pragmática que nos estreitou os sentidos e atrofiou a nossa razão. Somos a reencarnação perfeita dos emocionalistas de Brzezinski, treinados apenas para o cheiro forte e excitante de pólvora queimada que conhecemos por única alternativa viável em tempos difíceis — hoje, muito convenientemente suprimida de nossas munições. Como resultado, o que quer que fuja desse condicionamento inflexível pode nos colocar imediatamente às margens de uma incapacidade mediocremente patética. Como um fuzileiro bem no meio do confronto, alucinado, armas em punho e tralhas nas costas, que subitamente precisasse largar tudo no chão para trazer à luz o filho de uma das vítimas que ele bravamente se empenhava em proteger; Típico cenário brasileiro que nos últimos anos vem se manifestando nos discursos presidenciais mais ou menos (eufemismo) patéticos: perigosamente embaraçoso!

Para um militar Poderano, soldado desse batalhão erótico — como bem nos descreve Meira Penna, em Psicologia do Subdesenvolvimento — ter de tolerar o choro do moleque pré-adolescente, insatisfeito por lidar com as obrigações que são incapazes de inundar de substância as suas mais urgentes necessidades sensoriais — necessidades dos tempos modernos que são as mesmas das nossas —, lhe causaria pavor pior do que o de ser emboscado em campo aberto! Não me surpreenderia se, para estes mesmos soldados, fosse mais fácil tomar às mãos uma AK-47 para fazer revolução do que ir apanhar seu filho na rua e obrigá-lo a ler um livro. Ainda com Meira Penna, intrépido combatente perdido entre a audácia e o pânico.

E por falar em armas... Protestar, desobedecer, ameaçar. Combater. Por mais bem intencionados que estivéssemos ao avançar com toda esta gama de buliçosas habilidades de vanguarda, não bastaria de forma alguma. Cedo ou tarde precisaríamos recorrer à caixinha no canto da prateleira. O remédio do rótulo encardido é malcheiroso, tão difícil de respirar quanto a fumaça negra e inerte do diesel soprada longe por um Leopard, mas seu efeito é devastador! Age discreta e precisamente, anônimo, na furtividade que independe de camuflagem e que não dá margem para a personificação dos heroísmos subitâneos: pois atua sempre na retaguarda.

O problema tende à uma solução mais profilática então?

Não! Este é o ponto: sem tendenciosidades: equilíbrio! Cooperação! A estratégia atuaria na conjunção entre a contundência das opções mais imediatistas e o planejamento de longo prazo que lhes amparará e dará direção. Neste contexto, estas ações de longo prazo são representadas pelo doce remédio amargo a ser ministrado por ex-pacientes que, melhor do que ninguém, sabem bem como fazer para que sejam engolidos. Quase uma arte passada de geração em geração! Para o nosso alento e o desespero do menino fujão que já se mostra desconfiado acerca do que lhe aguarda, ainda nos restam alguns artistas bem dispostos por perto!

Por isso, abra bem a boca para que eu lhe empurre goela abaixo uma generosa colherada da melhor receita que é a base do meu tratamento. Através deste composto milagroso de reflexões e atitudes bem dosadas, tenho me automedicado e medicado meus filhos. Por ele obtive, em tempo recorde, resultados realmente surpreendentes e inspiradores; sem contra-indicações nem efeitos colaterais:

Busque seu filho na rua. Vá agora!

Obrigue-o a ler pelo menos 30 minutos por dia, minutos que a partir de hoje serão religiosamente fiscalizados e cumpridos de acordo com horários amigavelmente negociados e preestabelecidos. Prefira a amenidade das manhãs ou do início da noite e cobre-o para que as suas demais obrigações estejam em dia antes deste horário habitual.

Permita-o escolher o livro pelo qual deseja inaugurar seus "estudos". Auxilie-o se necessário. Deixe-o livre para que possa tomar decisões, mas esteja sempre atento aos seus interesses bibliográficos. Faça-o preferir os clássicos, a qualidade dos mais idôneos e também mais adequados à sua idade.

Uma vez superada a instável fase de "aclimatação" (que pode durar alguns anos), coloque a nossa história brasileira diante dele, faça-o se interessar pelo seu próprio passado. Ainda temos alguns resquícios de glórias mais ou menos derradeiras, dignas de serem resgatadas: a nossa Independência, batalhas como as do Grararapes, Paraguai, que por breves e raros momentos nos uniu e nos impeliu em direção a um propósito comum, esboçando nuances da nossa identidade. Ensine-o sobre o Primeiro Reinado e Segundo Reinado, como as coisas fluíam por lá. Provoque-o! Instigue-o a descobrir! É tudo para o que os livros servem! — Existem algumas coleções infantis ilustradas bem conhecidas que podem servir para uma iniciação menos "entediante".

Leitura lenta, sempre. Livros são lidos em dias, meses, anos, não horas. Não queremos meros beletristas, queremos honestos interessados, desde novos já movidos pelo prazer da exploração e da descoberta. Parafraseando Monir Nasser — queremos quem saiba prospectar o ouro no subsolo das palavras.

Regule o smartphone, os joguinhos, os bate-papos eletrônicos e tudo o mais correlato. É bem verdade que, fazendo isso, já terá superado setenta porcento do problema. No Brasil, os grupos de Whatsapp têm servido, entre outras coisas, para alertá-lo sobre o papelão na sua linguiça. Louvável! Mas, acredite. Para seus filhos — a não ser, é claro, sob o exclusivíssimo pretexto de lhes auxiliar nos estudos — ele ainda muito pouco útil. Proíba-os durante a noite. Cuide para que a mente da criança esteja livre e bem receptiva às alternativas mais interessantes, pelo menos nas horas que antecedem o seu sono.

Não se intimide com os revides e as emboscadas no meio do trajeto. Haverá dias em que um pouco de disposição surpreenderá muito, mas em outros as lágrimas poderão cair sobre as páginas de uma história pontualmente chata; não necessariamente triste! Esta será a rotina de vocês agora. Preparem-se e estejam prontos para aprender um bocado com ela!

Deixe-o que descanse, ou melhor, encoraje-o a descansar muito no sábado, no domingo e feriados; proporcionalmente à cobrança que lhe fora e continuará sendo exigida nos dias úteis, de segunda a sexta-feira. Ensine-o sobre o propósito original do primeiro e do último dia da semana — como a caixinha no canto da prateleira, há muito esquecido.

Cuide dos imprevistos com a sabedoria de quem é prudentemente flexível. Um dia é um acidente necessário, dois dias alteram as energias, mas três dias falhados consecutivamente requerem intervenção imediata e assertiva.

O hábito não é temporário, passageiro ou provisório. Deve ser para sempre! Convençam-se, desde o primeiro instante, de que 30 minutos diários é muito pouco tempo, mais ou menos o que muitos gastariam para saborear uma tigela de pipoca. A diversão pode ser abundante, mas a agenda deve ser rígida.

Ostente o conhecimento, sempre! Ensine para seu filho que ostentar o que é bom é bom, ostentar qualquer coisa é que é ruim. O mérito deve ser utilizado para o que serve: estimular o coleguinha ao lado a desejá-lo! Não se esqueça de elogiar, sempre que possível.

Nesta guerra não precisamos servir fardados. É compromisso que todos podem assumir, sem desculpas. Compartilhe o tratamento com seus amigos, vizinhos e parentes e observe seus progressos. Induza a mudança por pequenas doses diárias.

Dê um livro de presente. Sempre dê livros de presente! Sempre dê apenas livros de presente! Não importa a quem! Use sua criatividade e encontre um bom título para aquela pessoa que você admira (e/ou que precisa de ajuda!) — de todas as minhas mais recentes readaptações de conduta, esta talvez tenha se tornado a mais profícua e acertada de todas.

A fumaça indica que é hora de abanar a chama. Vivemos as circunstâncias perfeitas mais propícias para o início de uma grande mudança — se bem que pela própria ausência de alternativas! Precisamos resgatar o papel do individual sobre o coletivo, reavivar o sentido fundamental da liderança isenta que rege as sociedades mais prósperas.

Precisamos trabalhar no resgate de nossa identidade nacional através de um patrimônio histórico-cultural ainda exíguo e fragmentado, porém completamente inexplorado. E devemos começar já, afinal, o cochilo é gostoso, mas o relógio já despertou e o remédio tem hora marcada. Não podemos adormecer de novo. Estejamos atentos, pois, as hamacas sobre as quais dormiam nossos antepassados, também se prestavam ao enterro dos mortos.

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